segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Entrevista: Ziraldo

Ziraldo dispensa apresentação. Fundador de O Pasquim, famoso jornal dos anos 1960, e da revista humorística Bundas, o escritor, jornalista, chargista e quadrinhista, criou inúmeros personagens de quadrinhos inesquecíveis, como Mineirinho Comiquieto e Supermãe. Ainda na década de 1960, ele foi responsável pelo lançamento da primeira HQ brasileira feita por um só autor, a Turma do Pererê, que trazia em suas páginas as aventuras do personagem Pererê (um Saci) e sua turma da Mata do Fundão.

Em 1969, publicou seu primeiro livro infantil, Flicts, e, em 1980, O Menino Maluquinho, que, rapidamente, se tornou um fenômeno editorial. Nesta entrevista, ele fala sobre os 25 anos de Menino Maluquinho, o personagem mais querido da literatura infantil brasileira, e o novo livro, O Menino da Lua.

De onde veio a inspiração para criar O Menino da Lua? Como aconteceu o andamento do projeto?
Eu não sei quando uma história começa a surgir. Só sei que, quando ela ocorre, a gente deve anotar logo. O processo criativo pode estar na própria natureza, no cotidiano, na página de um jornal. Acho que inspiração é isso: você olha para uma coisa simples, corriqueira e diz: isso dá samba! Esse livro já estava há 10 anos na minha cabeça.

E Menino Maluquinho, como nasceu?
Quando eu saí de casa, queria ser desenhista de história em quadrinhos. Meu desenho sempre foi narrativo. Nunca fiz pintura. E eu fiz a revista A Turma do Pererê, que durou cinco anos. Isso foi em 1960. Agora vai ser reeditada. Com o Golpe de 64, a revista acabou, porque era muito nacionalista, tinha um coelhinho vermelho que não gostava de general... Aí, ajudei a fundar O Pasquim e passei a fazer charge política. Quando a ditadura acabou, o jornal ficou meio sem sentido. Então, disse para a editora se eles não queriam um livro para crianças, que eu tinha uma idéia ótima! Resumi a história para eles e adoraram! Larguei tudo e fui fazer livros infantis. O Menino Maluquinho me transformou em escritor de livro infantil e mudou minha vida.

O personagem completa 25 anos, vendeu milhões de exemplares e já virou peça de teatro, filme, história em quadrinhos, boneco e até videogame. E agora ganha uma homenagem especial...
É realmente aconteceu muita coisa com ele nesses anos todos e a homenagem vai ser um almanaque, feito por 25 quadrinhistas brasileiros. Cada amigo meu, Angeli, Mauricio de Sousa, Miguel Paiva, Caco Xavier, entre outros, desenhou uma página dupla da história, usando seu próprio traço. Quando foi concebida, eu não sabia nada da história, foi uma surpresa. Só sabia que eu iria aparecer nela, de cabelos brancos e tudo. Assim, o menino e o velhinho maluquinho ganharam essa homenagem.

Já pensou em fazer uma menina maluquinha?
Nunca pensei, não. Acho que não seria fácil criar essa menina. Quando se trata de um livro para crianças e você vai escrever sobre o sentimento de um menino, não dá para inventar muito. É preciso conhecer a alma do menino e eu não conheço a alma de uma menina, por assim dizer.

Qual é o segredo de escrever para crianças? Existe alguma fórmula?
Acho que é você ser o mais cúmplice possível delas. Tem de ser o menos complicado possível e nunca facilitar a vida do leitor. Eu converso com ele de igual para igual. Os meninos não acham que eu sou um mestre, mas um parceiro.

Você escreve livros tanto para adultos como crianças. Tem alguma preferência por algum deles?
Acho que num mundo ideal, a criança seria o centro de preocupação da sociedade. Um mundo de crianças felizes seria o futuro sonhado. Não faço proselitismo com meus livros infantis, não trato de temas políticos, não quero fazer a cabeça de ninguém naquela faixa de idade. Gosto de inquietar adultos acomodados e despertar as crianças para a alegria e o prazer que é ler com desenvoltura. Quer dizer, quando faço um livro, penso no quanto ele pode se transformar num objeto amado pelo leitor infantil.

E para qual público é mais fácil escrever?
Sempre defendo que, para criança, ler é mais importante do que estudar, como não poderia achar o mesmo em relação a todas as pessoas, independentemente de sua profissão ou idade? A leitura, qualquer uma, seja de livros, revistas, jornais e até bula de remédio, é uma viagem que o homem pode e deve fazer em busca do seu conhecimento. Os pais não têm idéia de como é importante a presença da literatura, de ler, na vida dos seus filhos. Qualquer um, livros de história, livros que contam casos, que despertam a curiosidade das crianças para a vida, para o mundo.

Com qual personagem você se identifica mais?
Meus personagens, em sua maioria, são o que em literatura se chama de um compósito. Não há uma mulher igual à Professora Maluquinha, por exemplo, assim como não existe um menino exatamente igual ao Menino Maluquinho. São figuras literárias. E literatura é uma espécie de imitação da vida. Quanto melhor a imitação, melhor a literatura. Os dois, apenas como exemplo, foram criados na base de “uma porção de coisas que eu sei deles”. As histórias da Professora Maluquinha, por exemplo, são, na sua maioria, verdadeiras. Cada uma delas acontecida com um professor ou professora diferente. Criei um montão de personagens, mas sou mesmo parecido é com a Supermãe, com certeza! Eu sou a verdadeira Supermãe, tenho muito dela ou ela de mim, como preferir.

Qual é a sua grande responsabilidade social como escritor?
No Brasil, tudo está por ser feito, então é preciso ter cuidado com o que se faz e se diz. Não se pode mentir ou enganar, pois se está falando com pessoas que estão ainda criando um país. A responsabilidade do cidadão existe como ser humano e não especificamente como escritor. Eu sempre carreguei bandeiras, como contra a ditadura militar, o Fernando Henrique, o Bush, a globalização, a corrupção, o desmatamento, a poluição das águas e por aí vai. Quando virei autor de literatura infantil, descobri que um artista, em um país como o Brasil, acaba fazendo de seu trabalho uma forma de missão. Escrever livros para um país sem leitores é meio complicado. Temos que tentar mudar esse panorama. Acho que um dos caminhos para um país melhor é fazer dele um país de leitores. E é o que eu tento fazer.

Por falar em ditadura militar, você chegou a ser preso?
Sim, três vezes, por expressar resistência ao regime militar. Somando tudo deu uns cento e poucos dias. Desenhei muito na prisão. Não fui torturado fisicamente, mas sofri todo tipo de humilhação. O motivo real das prisões nunca era muito claro: éramos detidos e passávamos um tempo ali sem muitas explicações. A impressão que tenho é que, às vezes, não éramos libertados logo porque não se sabia ao certo quem tinha mandado prender quem nem por quê.


Na sua opinião, como anda o mercado editorial no Brasil para o público infantil?
A história em quadrinhos está ficando cada vez mais cult. Antes era mais de massa e hoje é mais para quem gosta. Atualmente, tem muita coisa boa para atrair as crianças, antes só existia a HQ para se ler. Quando era menino, todo mundo lia quadrinhos. As crianças esperavam as edições como se espera o Messias. Hoje não, estamos em contato com o mundo permanentemente e quadrinhos é apenas mais uma opção. Na minha infância, essas revistas eram uma janela para o mundo, eram o único contato que tinha com leitura.

(shirley paradizo)

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