segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Literatura: Duda Adora Pular

Ele é autor de literatura infantil, mas não há adulto que resista a suas histórias. O australiano Stephen Michael King consegue por meio de desenhos e personagens encantar quem folheia seus livros, seja pela sutileza com que trata de temas delicados, como a relação entre pai e filho, seja pela beleza dos traços, inconfundíveis para quem entra em contato com seu mundo. Um mundo que começou a ser criado aos 9 anos, quando sofreu uma perda de audição e passou a desenhar e a escrever. E descobriu que arte e livros eram mesmo sua paixão, o único trabalho que imaginava seguir. “Se eu não tivesse me tornado um autor-ilustrador, seria um ermitão-hippie, sentado sob o sol e fazendo colares de margaridas o dia todo”, diz em seu site.

Com o lançamento de mais dois títulos no Brasil, Duda Adora Pular e Folha (Editora Brinque-Book), a revista Crescer convidou Stephen para uma entrevista preparada a seis mãos: pedi ajuda a minhas filhas, Júlia e Bia, para pensar nas perguntas. Desde quando tinham 2 anos, seus livros estão na lista dos favoritos da minha casa. Aposto que, depois de vocês conhecerem suas histórias, eles vão ficar entre os prediletos da sua família também.

Todos os seus livros e personagens têm muita liberdade. A maneira como vivem e como nós os vemos (minha filha está aqui dizendo que depende de quem vê, mas, de qualquer maneira...). Você acha que liberdade é o principal tema de seu trabalho?
Eu não foco meu trabalho em liberdade. E amo filosofia e pensamento abstrato. Acho que, mesmo sem intenção, pequenos pedaços de mim escapam em minhas histórias. Eu apenas tento fazer livros bonitos. Quando escrevo, eu brinco, me divirto com as palavras. Os personagens nos meus livros sempre estão descalços e explorando as montanhas com seus ventos e grandes árvores. Eu pinto o que eu chamo de “espaços interiores” e “espaços exteriores”. Os interiores são introspectivos e os exteriores, expressivos. Se meus personagens estão dentro, eles estão mais presos e isolados daquilo que realmente importa em suas vidas. Tudo acontece nos grandes espaços abertos. Eu acho que a criatividade mora em um lugar especial entre o que está certo e o que está errado. É um lugar onde não há sinais verdes ou vermelhos, apenas exploração sem julgamento. Meus personagens sempre estão vivendo ou procurando esse lugar também.

A Duda (do livro Duda Adora Pular) é alguém que você conhece?
Quando eu escrevo, não percebo que eu estou baseando meus personagens em alguém. Eu apenas escrevo. Com o passar do tempo, descubro que minha vida está espalhada em todos os meus livros. Os pulos alegres da Duda são inspirados na minha filha, na época com 4 anos, e sua infinita imaginação. Pedro e Tina, somos eu e minha mulher. O Homem que Amava Caixas, meu pai e eu.

O livro Folha, apenas com ilustrações, é uma maneira de amplificar as possibilidades de compreender e sonhar com a leitura?
Se eu remover meu aparelho de audição e andar pela minha casa observando o mundo sem som, consigo perceber os detalhes. Este era meu desejo com Folha. Queria que o leitor pudesse se tornar surdo para o barulho das palavras e se voltar para sua voz interior. O silêncio de Folha é muito especial, permite que pessoas diferentes possam descobrir sua própria essência na história. As palavras teriam fechado as possibilidades em apenas uma idéia. Algumas pessoas dizem que o livro tem a ver com o espírito, outras com criatividade e intuição, e outras que se trata de um livro sobre meio ambiente. A parte do livro em que o menino faz um corte radical nos cabelos tem gerado reações variadas dos leitores. Em um extremo, dizem que o menino lembra um monge budista. No outro, uma vítima do Holocausto. Era exatamente o que eu esperava. O livro termina no mesmo lugar, mas a viagem de cada um é diferente.

Seus livros não têm um grande conflito para justificá-los. Você não parece preocupado em ter uma moral da história, mas sentimentos. Esta é a melhor maneira de tocar as pessoas, especialmente as crianças?
Eu sou uma pessoa emocional. Me lembro mais de como me senti em tudo que fiz na vida do que de lugares ou coisas. Sei como eu me senti no topo de uma montanha, mas não como cheguei lá. Se eu leio um livro, me lembro de como ele me fez sentir, mas posso não ser capaz de me lembrar de detalhes da história. Sou assim. Quando escrevo, tudo vem de um centro emocional. Sempre espero que as pessoas sintam emoções diferentes quando lêem minha histórias e pela sua pergunta... parece que elas conseguem isso.

Em seu site, você diz que não queria crescer... O que guarda da infância?
Quando eu era criança, eu via os adultos como tristes e sérios. Adultos sentam e conversam em vez de jogar jogos imaginários. Ficam sentados na praia em vez de brincar na água o dia inteiro. Agora eu sou um adulto. Tenho de admitir que gosto de sentar e conversar e que, de vez em quando, eu não nado o dia inteiro. Eu tenho filhos, responsabilidades e prazos. Mas eu tento me lembrar das melhores partes da minha infância. Segurança, liberdade, abraços e animais de estimação estão na lista. Trabalho e vivo em casa, posso ficar descalço. Minha imaginação me leva a muitas viagens. Eu também reservo tempo para brincar. Brincar com idéias, com meus filhos e família, com meus cachorros, com o céu. Eu amo afeição espontânea, dar e receber.

Você diz que não gosta de uniformidade social. Seus livros tentam ajudar as crianças a sair dessa prisão?
Eu adoro linhas curvas e imprevisibilidade. Tento evitar uniformidade, já que isso sempre leva à monotonia. Não sei se meus desenhos ajudam as crianças a sair dessa prisão. Não há provas. Mas gosto de pensar que meus livros são uma pequena voz que estimula a intuição das crianças, alimenta seu eu interior e os desejos do coração. Se não for isso, espero que meus livros sejam uma leitura divertida e que, quando essa geração crescer, eles possam se lembrar dos sentimentos que tiveram enquanto liam meus livros.

Sobre o que você ainda tem vontade de escrever?
Não sei... Escrevo quando uma idéia surge e vejo onde ela me leva. O livro que eu estou trabalhando agora é diferente de todos os meus outros. Não é silencioso como Folha. Há palavras, mas nenhum personagem humano ou animal. Vou usar formas no lugar deles. O tipo de forma que Ana (de Ana, Guto e o Gato Dançarino) faria. As pessoas que leram a história ficaram surpresas de quanto sentimento pode vir de formas. Espero que o livro vá para o Brasil.

Você já esteve no Brasil?
Recebo mais cartas do Brasil do que de qualquer outro lugar do mundo. Mas, ao menos por enquanto, não sou um viajante do mundo. Meus livros estão em todo o globo, mas eu fico mesmo em casa e desenho. Meu agente gostaria que eu fosse para a Itália. Um editor americano quer que eu vá para Nova York. Uma vez fui convidado para a abertura de uma loja na Coréia. Ainda assim, eu fico em casa e desenho. Estou planejando viajar com minha família nos próximos anos. Prometo que irei colocar o Brasil em minha lista.

* Texto de Paula Perim, com colaboração de Júlia e Bia, publicado originalmente no site da revista Crescer

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