quarta-feira, 1 de abril de 2009

Criança & TV: Por quem entende do assunto

Alguns dos maiores sucessos da TV Cultura voltados para o público infantil trazem nos créditos finais a assinatura de Bia Rosenberg. Pode-se ver seu nome em programas premiados como Castelo Rá-Tim-Bum, Cocoricó, e na atual versão de Vila Sésamo. Após 20 anos dirigindo e escrevendo atrações para o público infanto-juvenil, Bia reuniu suas idéias, pesquisas e dicas no livro A TV Que Seu Filho Vê – Como Usar a Televisão no Desenvolvimento da Criança (lançado no ano passado pela Panda Books). Nesta entrevista, ela fala um pouco sobre sua experiênica no assunto, mostrando, inclusive, que há maneiras saudáveis de se lidar com a televisão. Confira o baté-papo abaixo.

A pauta do dia é o tempo em que as crianças passam na frente do computador, jogando ou conversando com amigos. Ainda há espaço para discutir a TV?
Sim, as crianças continuam assistindo quatro horas de TV por dia. A televisão continua sendo fator de discussão, por ser muito presente na vida da criança, apesar do computador e de outras tecnologias que elas têm à mão atualmente.

O que a levou a escrever um livro sobre o tema?
Vez por outra recebia perguntas de pais e professores com muitas dúvidas sobre o relacionamento entre a criança e televisão, completamente desorientados. Além disso, o assunto me interessa bastante por eu trabalhar em televisão. Então, achei que, colocando em um livro minha experiência de 20 anos como coordenadora de programação infantil da TV Cultura, eu poderia de, alguma maneira, ampliar o horizonte do aproveitamento da televisão e mostrar que há programas bacanas para as crianças na telinha.

E como você avalia se um programa infantil é bom ou não?
Primeiro, temos de pensar que programa ideal não existe. Se for divertido e correto, já está bom demais. Se tiver qualidade, imaginação e informações interessantes, melhor ainda. Ele também precisa fazer com que essa criança se modifique ou cresça e nunca deve promover coisas negativas, como o preconceito social ou racial. Devem ter um conteúdo que faça com que elas entendam melhor a vida, o mundo, seu cotidiano e até se identifique.

E todos precisam ter, digamos, aquelas lições de vida para serem bons?
Não. Como disse, ter um bom conteúdo, não passar coisas negativas, como preconceito, ser divertido, já é o suficiente. O que vier depois é lucro.

Que mudanças positivas a lei de Classificação Indicativa trouxe para todos nós?
A princípio parece que não muito. Olhando a programação dos canais, muito pouco mudou. A Classificação Indicativa pode ajudar os pais saberem quais são os programas indicados para idade de seu filho. No mais, tudo fica como antes.

E como os pais devem agir quando está sendo exibido um programa que não é ideal para seu filho?
Depende muito da postura do pai. O melhor seria ele propor outro programa em que todos pudessem assistir juntos ou outra atividade do que mandar a criança para fora do local. Ao fazer isso, a criança vai ficar ainda mais curiosa em ver o que lhe foi proibido. Afinal, ela entraria no mundo dos adultos e isso desperta curiosidade. O ideal é os pais oferecerem uma alternativa, mesmo que não ele não fique ao lado.

O que os programas infantis de hoje precisam ter para chamar a atenção das crianças?
Bem, em primeiro lugar, não devemos descartar os desenhos clássicos, como os contos de fadas ou Tom & Jerry, por exemplo, que ainda fazem sucesso entre o público infantil até hoje. Não acho que as crianças de hoje sejam diferentes em relação a isso ou mais exigentes. Elas gostam dos clássicos e também do que está na moda. E as histórias dos programas infantis atuais realmente são mais complexas, não são lineares, tem tramas mais complicadas, sequências e elas adoram isso. Mas isso não impede que ela também não se interesse por coisas mais básicas e simples.

Tem como aproveitar algo de programas de baixa qualidade ou devemos descartá-los por completo?
Os programas ruins são parâmetros para sabermos o que é bom. Além disso, é legal assistir a um desenho de baixa qualidade com seu filho e discutir com ele.

Você é favor dos programas que se propõem a ensinar as crianças, como os educativos?
Se ele for bem-feito e divertido, são ótimos. Eles podem aumentar vocabulário, a criança treina, sente-se desafiada. Para os mais velhos, por exemplo, há programas que ensinam artesanato, pintura... e elas gostam de aprender. E essa relação delas com a TV pode ser produtiva. A grande questão que se discute atualmente é a TV para bebês. Especialistas são totalmente contra. Na França, por exemplo, a televisão para bebês foi proibida para menores de 2 anos. Uma pesquisa norte-americana realizada há pouco tempo afirma que deixar os bebês assistir à TV atrapalha no desenvolvimento. Ainda não tem nada provado em relação a isso, pois há uma série de outras coisas que podem interferir no desenvolvimento de um bebê ou de uma criança. E colocar toda a culpa na TV é meio complicado.

E você, o qual é a sua opinião?
Com uma certa idade, os bebês já começam a imitar o que vêem na TV, como cantar, bater palmas. Se eu tivesse um bebê agora, ele veria TV. A minha filha tem hoje 20 anos e foi criada praticamente sem televisão. Mas é que antes não havia programas feitos para bebês como temos agora. Então, possivelmente, eu deixaria ela assistir um pouquinho e não tornar a TV uma babá. Mas a recomendação é a de que as crianças não vejam nada de TV até os 2 anos.

O que mudou na vida das crianças com chegada na TV por assinatura?
Aumentou a quantidade de programas que a criança tem à sua disposição. Se ela faz um bom uso da televisão, claro que é ótimo ela ter mais opções. Por outro lado, a televisão aberta tem uma qualidade de programação que não é tão variada. Já a por assinatura pode ajudar a criança a fazer um planejamento de televisão, escolhendo o que deseja assistir de acordo com seus horários.

Há algum tempo, tivemos um boom de apresentadoras, que hoje estão em baixa. As crianças não se interessam mais pela Xuxa, Angélica...
Acho que agora há uma espécie de hiato, por que elas continuam no ar, mas não trazem nenhuma novidade na maneira de apresentar os desenhos ou de fazer a programação infantil em geral. Estamos em um momento em que há um suspense no ar em relação à programação infantil, inclusive se as emissoras vão investir em programas desse tipo ou se vão apenas continuar a comprar desenhos, o que é mais barato do que produzir. Não sei ao certo se as crianças realmente desistiram dessas atrações ou se foi algo imposto pela própria TV. Mas acho que elas não se interessam mais por isso, elas já entraram em outro tom e ainda não se descobriu o que, além dos desenhos, chama a sua atenção. Então, até que não se descubra um novo formato, adquirir desenhos sai muito mais em conta e tem audiência garantida.

Na sua opinião, qual é o pior programa adulto para uma criança assistir?
O pior de todos é o jornalismo. O que aparece neles é real e as crianças sabem disso. Acontece relativamente perto dela e o jornalismo só traz noticia fatos extraordinários, tragédias, como um bebê que caiu da janela. As crianças que têm irmãos menores, por exemplo, podem achar que seu irmãozinho pode cair também a qualquer momento e isso gera uma certa tensão. As crianças ainda não têm condições de avaliar que aquilo não é um cotidiano, não é comum.

Os pais reclamam de que os desenhos atuais são muito violentos. Mas as animações clássicas, como Pica-Pau, também não eram?
A violência não é nada boa. Mas, ao mesmo tempo, pode ser. Nós gostamos de coisas emocionantes e esses desenhos trazem isso. É muito legal ver um super-herói que luta contra um vilão para salvar a humanidade. O que acontece é que os pais podem contrapor um pouco essa visão da televisão, apontando defeitos e situações positivas. E depois de uma certa idade, elas sabem o que é real e o que é ficção. Os desenhos são violentos, sim, tem muita pancadaria e tudo é resolvido à base da força, mas se você for falar isso para uma criança, ela não vê o lado negativo dessa violência. Para ela, o super-herói precisa agir daquela forma para defender o mundo do vilão. E, aí, entra o trabalho dos pais, que precisam explicar que o que elas estão assistindo não é real e que, quando se bate em um coleguinha, dói, machuca. Eles precisam trazer para o universo da criança um pouco de realidade, não deixar para a televisão o papel de ensinar e dar exemplos de como resolver conflitos.

Como eu disse, os desenhos de antigamente também eram violentos e isso não gerava uma discussão tão acirrada como acontece hoje...
Eu até acho que gerava, só que não no mundo acadêmico. Talvez por que antes não se assistia tanto à TV e não havia tantos canais só com programas para crianças. Mas não há um estudo histórico sobre o tema.

Como o pai deve agir quando não está em casa?
Eu proponho conversar com as crianças para que elas assistam só o que realmente gostam e não ver por ver. Não fique parada na frente da TV só zapeando. Essa discussão do que assistir e do que não, pode ser trazida para ser discutida em família, ajudar as crianças a escolher sua programação. E, à noite, quando ele chegar em casa, conversar com elas sobre o que viram, o que acharam. E a TV pode se tornar um assunto. Para isso, é importante que os pais conheçam os programas que seus filhos assistem para poderem participar. Não se faz isso com livros, quando eles lêem para os filhos?

No ano passado, o Cartoon Network realizou uma pesquisa que “prova” que as crianças de hoje são multitarefas. Ao realizar várias atividades ao mesmo tempo, como ver TV, jogar videogame e estudar, elas conseguem se aprofundar ou fica tudo em um plano superficial?
A grande diferença das crianças de hoje é não terem uma linearidade do pensamento. Nós temos uma geração de crianças que têm o pensamento que é um pouco diferente, mas ainda não deu tempo de se fazer muitas pesquisas a respeito, de se discutir o assunto. Eu acho que a tendência é para um pensamento não-linear. Agora, quando uma criança consegue ter profundidade em uma tarefa, ela pode fazer o mesmo com várias. As atividades em que elas não se aprofundarem é por que não interessa para elas.

(shirley paradizo)

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