segunda-feira, 29 de junho de 2009

Literatura: Além do bem e do mal

Emocionar-se, cair na risada, ter muito, muito medo, pensar a respeito de uma atitude do personagem diante da dificuldade, colocar-se no lugar do mocinho e – por que não? – entender como o vilão agiu daquela maneira na história. Identificar-se. Tem coisa mais gostosa do que assistir à mágica do que é um bom livro tomando conta da emoção de seu filho? Pois há certas armadilhas espalhadas pelas livrarias – e, mais grave ainda, pelas salas de aula de uma porção de escolas.

Em nome de trazer certos ensinamentos, há uma significativa oferta de livros feitos para crianças que mais parecem ter sido escritos por encomenda do que por prazer de algum escritor ou ilustrador. Secos, previsíveis, com respostas prontas, interpretações únicas e superficiais, estes livros apenas “ensinam” sem deixar espaço para questionamentos e conflitos, muito menos para a fantasia. E traz outra consequência para a criança: pouco interessantes, tendem a afastar o gosto pela leitura.

Certamente você já deu de cara com algum livro assim (e, apostamos, pensou: “Ai, mas que livro mais chato!”). Pois estes são o que podemos chamar de “livros politicamente corretos”.

De boa intenção...
Pode não estar claro na capa nem na sinopse, mas a intenção deste tipo de livro é como alterar as cantigas de roda (aquela história do cravo não mais brigar com a rosa e de nunca mais atirar o pau no gato, sabe?): evitar o sofrimento e o contato da criança com qualquer coisa, digamos, negativa. Sob o pretexto de proteger e resguardar as crianças, estão fora do texto medos, dores, violência e sentimentos sombrios.

O problema não é passar valores (as fábulas com suas “verdades” a transmistir permitem, sim, questionamentos), mas ocultar aspectos mais ásperos dos personagens e das narrativas. É o Lobo Mau que fica fora do caminho da Chapeuzinho Vermelho, o Saci sem cachimbo e uma madrasta que só falta dar a mão para Cinderela e sair com ela para passear no bosque.

O escritor Ilan Brenman está neste assunto há muito tempo. Acostumado a frequentar escolas, ele já chegou a ser proibido de contar uma determinada história. O porquê está na ponta da língua: prega-se que, afastando as crianças de referências negativas e inserindo-as numa cultura pacífica, elas ficariam também tranquilas e controláveis.

Mas não é bem isso o que acontece. “Ninguém fica bonzinho lendo um livro bonzinho. Pelo contrário. O protecionismo exagerado pode ser uma ameaça. As crianças gostam de encontrar aventuras, perigos, expectativas, personagens conflituosos que sentem euforia, raiva, alívio, medo, alegria, inveja e outros sentimentos inerentes ao ser humano, coisas que se comunicam com o universo interior delas”, diz, Brenman, autor da tese de doutorado A Condenação de Emília: Uma Reflexão sobre a Produção de Livros Politicamente Corretos Destinados às Crianças.

Por meio das situações de conflito de uma história, a criança se projeta em personagens bons ou cruéis e vivencia um caminho seguro para ela elaborar a violência que de fato existe dentro dela (e em todos nós!). “Tirar da criança essa válvula de escape que é a boa literatura, pode torná-la mais nervosa, mais confusa, mais agressiva e distante do entendimento de seus próprios sentimentos”, afirma.

É uma questão de medida, claro. Ilan faz até uma comparação estranha, mas que vale a pena saber. Para ele, este tipo de literatura é como o fast-food. Se a função da boa literatura é instalar na criança perguntas para ela pensar, a politicamente correta a afasta disso, uma vez que a ideia é antecipar e evitar qualquer desconforto. “Assim como o fast-food em uma dieta completa, esses livros não vão destruir o organismo da criança se forem consumidos uma vez ou outra. No entanto, se forem o único alimento literário delas, a criança terá as veias da imaginação entupidas. Pensará que a vida é só aquilo e ficará desnutrida em suas emoções e sentimentos.”

As crianças precisam – e merecem – mais
Que tipo de sociedade será a que não for habituada a desenvolver seus sentimentos? O escritor e crítico literário Celso Sisto prevê um futuro sombrio para nós, caso não atentarmos para o que as crianças estão lendo. “Distanciar as crianças de problemas e arquétipos tão humanos e tão reais pode gerar seres intolerantes, arrogantes, incapazes de lidar com as diferenças e com o outro. Despreparados para reconhecer a diversidade, tomam-se como modelos únicos e tudo o que destoa disso pode ameaçá-los e precisa ser eliminado”, diz o especialista. Diga a verdade: isso dá mais medo que Lobo Mau, piratas ou a bruxa mais malvada dos contos de fadas.

* texto de cristiane rogerio e marina vidigal, publicado originalmente no site da revista crescer

Um comentário:

altieres bruno machado junior disse...

Olá Shirley

Ótimo texto da Cristiane e da Marina. Foi muito legal você abordar esse assunto no seu blog. Concordo plenamente: privar as crianças de emoções ou histórias negativas vão deixá-las inertes a realidade da vida. Se num conto de fadas tudo acontece de forma perfeita e certinha, na vida real não acontece assim, logo a criança vai se decepcionar quando descobrir que a vida é bem diferente. Os pais na verdade devem ensinar o que é certo e o que é errado, mas deixar também as crianças identificarem essa diferença.

Abraços e até mais.